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Opinião: Monolinguismo Constitucional vs. Multilinguismo Cultural

A República da Guiné-Bissau é um país com 36. 125 km, situado na costa ocidental da África. É limitada a Norte e Leste pela República do Senegal, a Oeste pelo oceano Atlântico e a Sul pela República da Guiné-Conacri. O país conta com cerca de dois milhões de habitantes, sendo constituído por mais de vinte grupos étnicos que têm as suas línguas próprias, também mais de vinte (Scantamburlo, 2013). É um dos países africanos cuja língua oficial é o português.
Antes de descascar o tema em epígrafe vale a pena deixar duas notas prementes.
Primeiro, o Monolinguismo é a situação em que impera apenas uma língua.
Segundo, Multilinguismo é a coexistência dos sistemas linguísticos diferentes numa comunidade.
Depois da independência, o país adotou o português como língua oficial, sendo, até ao momento em que escrevo este pequeno pensamento, a única utilizada no processo do ensino-aprendizagem, num contexto multilingue (Sigá, 2022). Embora não exista nenhum respaldo constitucional que consagra o português como língua oficial, a Lei n.° 1/1973 de 24 de setembro de 1973, publicada no Boletim Oficial n.° 1/Sábado, 4 de janeiro de 1975, foi taxativa ao enfatizar que “a legislação portuguesa em vigor à data da Proclamação do Estado Soberano da Guiné-Bissau mantém a sua vigência em tudo o que não for contrário à soberania nacional”. Ora, essa consagração constitucional diverge com a realidade social do país, visto que o português só vive — e com muita deficiência — na sala de aula. Nos grandes centros do país, o idioma veicular é o kriol e nas zonas recônditas a língua prevalecente é do grupo étnico maioritário. Nestas condições, muitos guineenses só têm acesso ao português quando começam a frequentar o ensino formal, depois de terem consolidado a língua materna (que muitas vezes é a língua étnica ou kriol), sem contar com os meninos que nascem numa situação do bilinguismo.
Essa realidade sociocultural — aliada com uma tremenda inadequação dos programas e metodologias do ensino do português — transforma o português num bicho de sete cabeças perante um aluno que pela primeira vez entra numa sala de aula e, como consequência, os alunos concluem o secundário com imensas dificuldades de várias ordens, dificultando o sucesso no ensino superior.
Portanto, no mínimo dos mínimos, o Estado deve introduzir o kriol como língua do ensino, indo ao encontro da realidade social, dado que “as línguas são vistas não apenas como um mero sistema de signos, mas também como instrumentos de interação social, de estruturação do pensamento e de construção da identidade dos indivíduos e dos grupos nas relações que mantêm entre si e com o mundo circundante” (Ramon, 2017). Sobre isso, as propostas não faltam, desde logo o grande trabalho feito pelo padre Luigi Scantamburlo. O padre concluiu “que o Crioulo Guineense apresenta os requisitos para ajudar o ensino primário a sair da crise”. O que tem faltado é a vontade política para permitir que essa realidade social tenha um embasamento legal. Isto porque cada criança deve ser alfabetizada na sua língua materna e isso é muito benéfico para a aprendizagem da própria língua não materna, neste sentido, o português. O próprio relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre a Educação no século XXI, batizado “Educação, um tesouro a descobrir”, determina que as crianças sejam ensinadas ou alfabetizadas nas suas próprias línguas maternas (Delors, 1998).
Mamadu Suleimane Camará
Finalista do Curso da Licenciatura em Língua Portuguesa, na Escola Superior de Educação – Unidade Tchico Té.
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