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Opinião: A “Comunidade Internacional” nunca resolverá os problemas da Guiné-Bissau

“Comunidade internacional” – note-se que coloco a expressão entre aspas – é como se normalizou chamar o conjunto dos organismos multilaterais – regionais e mundiais – onde Estados-membros têm assentos e se dizem submetidos a acordos, tratados, cartas… enfim, a um conjunto de regras que são supostas garantir a prática dos valores que dizem defender e a igualdade de tratamento entre os Estados-membros. Tudo isto, teoricamente, até soa bem. Mas como é que estas organizações funcionam na prática? Não antecipo a resposta. Prefiro traçar uma breve reflexão, partindo de um olhar ao histórico das principais intervenções destas entidades na Guiné-Bissau desde a abertura democrática, com a certeza de que este exercício responderá à pergunta.
A dissolução contra-constitucional da Assembleia Nacional Popular (ANP) por Umaro Sissoco Embaló, em Dezembro de 2023; a instituição do fenómeno de pantchidura (machadada) em dois dos principais partidos políticos que até recentemente o acompanhavam na instituição da sua ditadura; e a usurpação por ele patrocinada nos principais órgãos do Estado da Guiné-Bissau… todos estes acontecimentos trouxeram apelos à intervenção da bendita “comunidade internacional” em todos os discursos dos líderes políticos que hoje se identificam como opositores do regime de terror instalado no poder. Há até quem tenha inventado a ideia de “diplomacia parlamentar” para designar a sua longa ausência da Guiné-Bissau, dedicando-se a contactos com essas entidades, estando em funções do Presidente da ANP e sendo líder da coligação política a quem o povo delegou a responsabilidade de governar, através de uma das mais importantes eleições da história multipartidária do país.
Pois bem, lembremos dessa “comunidade internacional” que, no conflito armado de 1998-99 no nosso país, viu-se partido em dois principais blocos. Um, encabeçado pelas tendências da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sob auspícios de Portugal, se posicionava a favor da Junta Militar, porque via em Nino Vieira um presidente cada vez mais empenhado na integração francófona. Outro, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), em protecção do Nino Vieira, através de intervenção militar directa de alguns dos Estados-membros e em salvaguarda de um poder com alianças consolidadas no quadro sub-regional.
Esta lógica de posicionamento face à mediação de conflitos na Guiné-Bissau, a qual discutimos noutro lugar através de um trabalho académico, ia configurar as intervenções das entidades internacionais no país para os anos que se arrastam até hoje. Foi assim na corrente do golpe de Estado de Abril de 2012, em que o investimento angolano para a exploração de bauxite no Leste da Guiné-Bissau determinaria a posição da CPLP, ao passo que a CEDEAO jogava as cartas para eliminar a ameaça que lhe era a viragem da Guiné-Bissau para a lusofonia.
Mais recentemente, com a retracção da CPLP na influência às lideranças políticas guineenses, desde 2012, a CEDEAO confirma o seu carácter já suficientemente conhecido por quem é atento às dinâmicas na África Ocidental: uma organização ao serviço de clubes constituídos por determinados chefes de Estado e estes como serviçais dos seus patrões da Françafrique. Foi nesta lógica que Macky Sall apadrinhou a eleição de Umaro Sissoco Embaló ao cargo do Presidente da República, porque este lhe garantia a defesa do interesse em explorar o petróleo na dita zona marítima conjunta com a Guiné-Bissau, mas também porque seria uma figura fácil de virar para a francofonia, onde tem os seus principais padrinhos e ídolos políticos, de Sassou Nguesso ao próprio Macky Sall. Mais importante ainda, estes factores facilitariam a entrega da presidência da CEDEAO ao Sissoco Embaló, numa altura em que este, encabeçando uma ditadura na Guiné-Bissau, remava contra todos os princípios ditos estruturantes da organização.
Portanto, o quadro é claro: nenhuma destas entidades funciona como uma “comunidade”, muito menos em cumprimento dos princípios que informam os seus documentos estruturantes, nomeadamente, dignidade humana, democracia e liberdades. Não fazem uma “comunidade internacional” porque, em cada uma dessas entidades ou todas elas em conjunto, o que impera é a regra dos Estados mais fortes sobre os mais fracos e geralmente numa lógica até neocolonial. No plano interno da CPLP, por exemplo, Portugal é “quem mais ordena”, porque Brasil não tem nessa organização o seu maior interesse geoestratégico e Angola não é suficientemente robusta no plano diplomático para uma disputa com Portugal. Na CEDEAO, os emissários da França na sub-região garantem-lhe o domínio económico e político. Hoje, as mudanças no poder no Mali, no Burkina Faso, no Níger e, sobretudo, no Senegal, parecem ameaçar o domínio francês na região ocidental da África. Mas nada que permita ainda cantar a vitória sobre o neocolonialismo.
Não falo da União Africana, nem das Nações Unidas, porque estas, não tendo casos como os conflitos na Guiné-Bissau como prioritários, delegaram-nos à CEDEAO (e à CPLP). Por todas estas razões, as entidades da “comunidade internacional” santificadas pela pobre classe política guineense nunca resolverão os conflitos políticos no nosso país, assim como nunca o conseguiram resolver, de facto. A sua lógica de resolução de conflitos para além de responder a agendas geoestratégicas, baseia-se na análise dos problemas a partir das suas consequências e geralmente ignorando as causas, por estas muitas vezes não lhes serem convenientes. Ora, neste momento, sendo a CPLP uma organização falida na sua dinâmica e a CEDEAO influenciada por sensibilidades mais favoráveis a Umaro Sissoco Embaló que, aliás, esteve à sua testa recentemente, assim como (pasmem-se) se prepara para dirigir a CPLP, continuar à espera que sejam estas entidades a convencer o ditadorzeco a conformar as suas acções com a legalidade constitucional é revelador de qualquer coisa que roça à ingenuidade das lideranças políticas que se dizem opositoras do regime de terror de Umaro Sissoco Embaló.
Estas constatações não querem significar que não se deve disputar estas entidades com Umaro Sissoco Embaló. Mas essa disputa diplomática não será determinante para a sua derrota. Será a agitação interna, através de confrontos políticos abertos com o Sissoco, com o povo na rua, convocado por estruturas políticas que lhe são opostas, que poderá levar inclusive a alguma intervenção dessas entidades internacionais a favor do retorno à ordem democrática na Guiné-Bissau, mesmo que apenas encenando um posicionamento nesse sentido.
Por: Sumaila Djalo
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