Lisboa, 17 jul 2025 (Lusa)
A desinformação aumentou 160% entre as eleições europeias de 2024 e legislativas de 2025 e o Chega a mantém-se como um dos principais partidos desinformadores (81,3%), segundo um estudo.
O estudo “Desinformação nas Legislativas 2025: atividade dos partidos nas redes sociais”, da Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) e a Universidade da Beira Interior, concluiu que nas últimas eleições houve “um aumento percentual significativo das ocorrências em contexto eleitoral no país”.
Este aumento resultou num crescimento de 160% no número de casos de desinformação, em relação ao registado nas eleições europeias de 2024.
Das 4.514 publicações identificadas nas redes sociais entre 07 de abril e 19 de maio, o Instagram (30,0%) e o Facebook (28,9%) agregaram a maior parte do conteúdo gerado durante este período, seguidos pelo X (22,8%), TikTok (9,8%) e YouTube (8,5%).
Entre estas publicações verificaram-se 16 casos de desinformação nas páginas dos partidos, tendo sido abertos nove processos de averiguação junto da ERC.
Segundo o estudo, o Chega é o partido que mais divulgou conteúdos desinformativos nas redes sociais, sendo responsável por 81,3% dos casos, enquanto o PS, PSD e CDS tiveram uma ocorrência cada um, representando 18,7% das publicações.
“Os vídeos lideram no formato da desinformação (56,3%) seja com montagens, cortes ou edições de peças, à frente de um conjunto vasto de imagens estáticas (43,8%), especialmente utilizadas para divulgar resultados de inquéritos ou sondagens de intenção de voto”, lê-se no documento.
As sondagens falsas ou desenvolvidas por empresas não registadas na ERC foram o tipo de desinformação mais frequente, com 31,1% dos casos detetados, em segundo lugar surge a divulgação de textos produzidos por órgãos de comunicação social não registados na entidade reguladora (25,0%).
Dois tipos de desinformação surgem com a mesma percentagem no terceiro lugar, os vídeos informativos manipulados a diversos níveis e as publicações que descredibilizam a comunicação social ou o trabalho jornalístico (18,8%), enquanto as notícias alteradas para promover uma perceção enganosa dos factos surgem em último lugar (6,3%).
Além disso, a maioria dos casos detetados apresenta “um baixo nível potencial desinformativo (43,8%)”, tratando-se de conteúdos elaborados de forma amadora, facilmente verificáveis através de uma pesquisa na internet.
Já as publicações com potencial médio representam 37,5% da amostra em causa, estando associadas à descontextualização de factos ou à manipulação de dados, por isso mais difícil de verificar.
Apenas uma pequena parcela dos casos identificados pode ser classificada como de alto potencial desinformativo (18,8%), tratando-se de conteúdos sem qualquer relação com a realidade, podendo ter sido criados muitas vezes com recurso a Inteligência Artificial (IA).
As 16 publicações geraram um total de 197.471 interações da audiência, recebendo 20.633 comentários e 12.368 partilhas. “Estima-se que nove vídeos tenham sido vistos mais de 3,5 milhões de vezes, com especial destaque para o Instagram e o TikTok”, segundo o estudo.
“Os níveis de enviesamento tornam-se mais preocupantes quando se considera a dimensão do público alcançado. Estima-se que mais de seis milhões de utilizadores das redes sociais tenham sido expostos a conteúdos desinformativos difundidos pelos partidos portugueses (…) com especial destaque para o Chega”, lê-se no documento.
Este estudo foi realizado no seguimento do protocolo de cooperação celebrado entre a Entidade Reguladora para a Comunicação Social e o LabCom – Unidade de Investigação em Ciências da Comunicação da Universidade da Beira Interior, que procurou analisar a presença e os processos de desinformação no contexto das últimas eleições legislativas.
“Não há um nível de desinformação preocupante” em Portugal
O coordenador do estudo “Desinformação nas Legislativas 2025: atividade dos partidos nas redes sociais”, João Canavilhas, considera que “não há um nível de desinformação preocupante”, apesar do aumento de 160% entre as últimas eleições europeias e legislativas.
Em declarações à agência Lusa, o investigador garante que “há efetivamente um aumento em relação às eleições passadas”, o que “se enquadra no movimento global que está a acontecer neste momento: A desinformação está a crescer em todos os países e Portugal não é exceção”.
Contudo, refere que ainda “não há um nível de desinformação preocupante”, pois “o facto de ser noticiado que existem laboratórios, em Portugal, que estão atentos a este fenómeno teve algum efeito nos partidos”.
João Canavilhas afirma também que se está a verificar, tal como noutros países, “um crescimento da extrema-direita, acompanhado também de uma maior produção de desinformação por parte destes partidos”.
“Em Portugal, percebemos que mais de 80% dos casos identificados no estudo são do Chega, que também acaba por explorar todas as variedades de desinformação”, afirmou o académico.
Além disso, o estudo, da Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) e da Universidade da Beira Interior, concluiu que o formato vídeo é o mais eficaz para passar determinada mensagem, o que para o investigador “é preocupante” porque redes como o TikTok estão muito ligadas aos jovens.
“Os estudos dizem que há cada vez mais jovens a informam-se através das redes sociais, enquanto nas gerações mais velhas ainda existe um contrapeso com os media tradicionais”, sendo que “as pessoas acabam por ser mais crentes em relação ao que veem, face ao que leem ou ouvem”, daí esta ser uma das estratégias utilizadas pelos partidos políticos, explica o académico.
Em matéria de utilização de Inteligência Artificial (IA) nestes vídeos, João Canavilhas acredita “que não tenha sido necessário o recurso à IA”, mencionando apenas questões básicas de edição.
“No momento em que a IA começar a ser usada para a criação de ‘deepfakes’ (…) tornar-se-á bastante difícil distinguir aquilo que é um vídeo verdadeiro daquilo que é um vídeo complemente criado pela IA”, afirma.
Para o investigador, este fenómeno salienta ainda mais um problema referente à verificação de factos, explicando que “a circulação do desmentido nunca atinge o mesmo número de pessoas que a falsa notícia”, sendo que a IA vem acelerar ainda mais este processo porque coloca desinformação a circular mais rápido, ao mesmo tempo que é mais difícil fazer a distinção.
João Canavilhas concluiu refletindo sobre o problema das redes sociais fechadas, como os grupos no WhatsApp, onde “é impossível de controlar a desinformação [porque] são injetadas pílulas informativas falsas que surtem efeitos”.
Fonte:Paulo Resendes