Lisboa, 06 ago 2025 (Lusa Verifica) – Não há 85% de refugiados muçulmanos no mundo, nem os que existem só procuram ajuda ou asilo em países cristãos e ocidentais, como afirmou o deputado Pedro Frazão. Há milhões de refugiados muçulmanos em países islâmicos.
Alegação: “85% dos refugiados são muçulmanos, mas não pedem asilo nos 56 países muçulmanos”
Na sexta-feira, 01 de agosto, o vice-presidente do Chega, Pedro dos Santos Frazão, afirmou em várias redes sociais que “85% dos refugiados são muçulmanos, mas não pedem asilo nos 56 países muçulmanos!! Fogem sempre para o Ocidente. Chegam e querem islamizar as NOSSAS nações!! Porquê? Porque aqui há apoios, impunidade e elites traidoras!! Nos países muçulmanos… nem os querem.” (exemplo: https://archive.ph/slLeY).
As publicações incluem um vídeo no qual o deputado reitera que “85% dos refugiados de todo o mundo vêm de países muçulmanos” e acrescenta que esses refugiados “não procuram abrigo nem na Arábia Saudita, nem no Qatar, nem no Irão, muito menos no Irão” e “escolhem sempre a nossa Europa, sempre o Ocidente.”
Esta mensagem circula há anos nas redes sociais e voltou a ter algum alcance nas últimas semanas devido a esta publicação de uma conta indiana de ‘clickbait’ no Instagram (https://archive.ph/Ckaga), conteúdo que está a ser amplificado em vários formatos por contas conservadoras internacionais (exemplos: https://archive.is/KBkA7 e https://archive.is/wrhjo).
Factos: percentagem de refugiados muçulmanos é inferior e há sete países muçulmanos entre os que mais acolhem
As estatísticas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) não fazem distinção por religião, mas são claras e permitem concluir que aquelas alegações são falsas, como já tinha sido concluído nesta verificação de factos realizada em 2021 por um projeto de verificação indiano: https://archive.ph/xmaAh.
Os dados mais recentes são igualmente claros: só os refugiados e outras pessoas que necessitam de proteção internacional oriundos da Venezuela (6,2 milhões) e da Ucrânia (5,1 milhões), países maioritariamente cristãos, representam mais de 30% dos atuais 36,8 milhões de refugiados registados pelo ACNUR (https://archive.is/PvUAe).
Se juntarmos os refugiados do Sudão do Sul (2,3 milhões) e da República Democrática do Congo (mais de 1 milhão), também maioritariamente cristãos, essa percentagem sobe para 40%. Ou seja, é falso que 85% dos refugiados sejam muçulmanos (https://archive.ph/mAGJW).
As estatísticas do ACNUR também desmentem que os refugiados muçulmanos nunca peçam asilo nos países islâmicos. Em 2024, só o Irão e a Turquia acolhiam cerca de 6,4 milhões de refugiados (3,5 e 2,9 respetivamente), oriundos sobretudo da Síria, Afeganistão e Iraque, cerca de 17% do total, embora com problemas no acolhimento e mais recentemente com a expulsão de milhares de afegãos do Irão (https://archive.ph/eln9o).
Se juntarmos o Paquistão, o Chade, o Bangladesh e o Sudão, essa percentagem chega aos 30%. Ou seja, é falso que os 57 países da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI) não recebam refugiados, embora seja verdade que vários não assinaram a Convenção de Genebra sobre Refugiados de 1951 e que recebam refugiados apenas pontualmente, como os referidos Arábia Saudita (https://archive.is/ea8SF) e Qatar (https://archive.is/7CrJ9).
Há ainda os cerca de 5,9 milhões de refugiados palestinianos, boa parte dos quais alojados nas últimas décadas em campos na Jordânia (quase 2,4 milhões), Líbano (500 mil) e Síria (perto de 500 mil, a maioria deslocada internamente devido à guerra civil), cuja assistência não depende do ACNUR mas da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla inglesa).
A alegação de que os refugiados “escolhem sempre países ocidentais” também não colhe. No top 10 dos países que acolhiam mais refugiados em 2024 existem apenas três europeus, nomeadamente a Alemanha, a Polónia e a Turquia, este um país islâmico e também asiático.
Contraditório:
A Lusa Verifica solicitou ao ACNUR dados estatísticos com base na religião, mas essa informação não está disponível. “A principal fonte de informação para as nossas estatísticas são os números oficiais fornecidos pelos governos. Embora alguns países forneçam informações sobre religião, outros não”, explica William Spindler, porta-voz da organização.
No entanto, acrescenta que “considerando que os ucranianos e os venezuelanos representam quase um terço de todos os refugiados e outras pessoas que necessitam de proteção internacional, a verdadeira proporção de refugiados muçulmanos será provavelmente muito inferior” à alegada nas redes sociais.
William Spindler nota também que “pelo menos seis dos países que mais acolhem refugiados são maioritariamente muçulmanos, nomeadamente a República Islâmica do Irão, o Líbano, a Jordânia, a Turquia, o Chade e o Paquistão.
A Lusa Verifica também questionou o deputado Pedro Frazão por várias vias sobre quais são as suas fontes, bem como porque afirma que o Irão não acolhe refugiados, mas não obteve respostas.
Avaliação Lusa Verifica: Falso
Embora não existam dados estatísticos discriminados com base na religião, é falso que 85% dos refugiados sejam muçulmanos e que nunca peçam asilo ou refúgio em países islâmicos.
Acresce que estas estatísticas são dinâmicas e podem sofrer alterações substanciais, como demonstram as crises humanitárias decorrentes da guerra civil na Síria, da invasão russa da Ucrânia ou da instabilidade política na Venezuela, citando apenas três dos muitos cenários que nos últimos anos forçaram a saída de cidadãos desses países em busca de segurança.
Luís Galrão