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Brincámos com o fogo e queimámo-nos

A cronologia da instituição do absolutismo que hoje governa a Guiné-Bissau é por todos nós conhecida. Mas vale a pena retomá-la aqui para uma série de 5 artigos que conto publicar neste blogue ao longo do mês de Outubro, porque Novembro é mês de mais umas eleições de fantochada na Guiné-Bissau e, desta vez, com o tapete vermelho estendido ao Umaro Sissoco Embaló e aos seus serviçais para, através de voto popular, legitimar e consolidar uma ditadura.
Como é que Umaro Sissoco Embaló tomou a posse para o cargo do PR? Ignorou um contencioso eleitoral a decorrer no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e organizou uma sessão que ele mesmo baptizou de “simbólica”, presidida por Nuno Gomes Nabiam, com ampla protecção das forças armadas guineenses, e proclamou-se PR. Eu acredito que ele tenha vencido as presidenciais de 2019/2020. Mas a posse unilateral e contra uma ordem judicial suprema era sinal do que seria o seu comportamento com outros órgãos de soberania. Para os três anos que se seguiram, instituiu um governo da sua iniciativa, derrubou o parlamento porque este se lhe opunha na negociação secreta com o seu pai político, Macky Sall, para exploração de petróleo numa dita zona marítima conjunta com o Senegal, e instalou um regime de terror na Guiné-Bissau.
A sua derrota política nas eleições legislativas de Junho de 2023 era uma oportunidade que se abria para o derrube do seu regime, mas era preciso que a coligação vencedora dessas eleições, a PAI-TR, compreendesse o seu papel de organização política à qual, naquelas circunstâncias, o povo guineense delegou as responsabilidades de liderar o movimento popular para o fim da ditadura sissoquista. Ao invés, a PAI-TR escolheu, de novo, conciliar-se com o tirano, associando-se a dois dos partidos políticos que ajudavam o Sissoco a consolidar o seu absolutismo. Não foi uma mera falha táctica. PAI-TR revelava-se apenas, e mais uma vez, incapaz de liderar um processo político baseado na mobilização popular capaz de enfrentar as armas e as forças do sissoquismo. O que aconteceria depois já sabemos: parlamento derrubado de forma ilegal e, consequentemente, caiu um governo legitimado pela escolha popular, substituído por mais um executivo de “iniciativa presidencial”, uma normalidade imposta por Umaro Sissoco Embaló à margem da Constituição da República da Guiné-Bissau.
Mas o cenário, hoje, é mais complexo do que quando avisávamos dos erros infantis que a direcção política da PAI-TR cometia na interpretação do voto popular e na relação com o cabeçário da ditadura instalada no nosso país. O caos instalou-se, o golpismo institucional normalizou-se, a revolta popular perdeu ímpeto e a ditadura enraizou-se. Os factos não nos desmentem, infelizmente.
O STJ, órgão máximo do poder judicial, uma instituição fundamental na configuração do sistema democrático guineense, tem hoje um presidente imposto por Umaro Sissoco Embaló. Nem eleito pelos pares, nem através de uma única disposição legal para o efeito. Lima André foi simplesmente imposto pelo Único Chefe, em substituição de José Pedro Sambu, que tinha sido igualmente imposto pelo ditadorzeco, através de uma eleição forçada, mas que, entretanto, deixou de seguir as ordens do Sissoco para a transformação do STJ numa instituição de perseguição política e usurpação da lei. O golpe no STJ tinha sido apenas o início de um conjunto de golpes institucionais para o estado a que hoje chegamos.
Na Comissão Nacional de Eleições (CNE), está uma direcção caduca há mais de dois anos e dirigida por uma figura que não tinha sido eleita para a função de presidência, como todo o secretariado executivo desse órgão responsável pela organização dos processos eleitorais e que devia ser eleito no plenário do parlamento. O actual presidente da CNE, recorde-se, virou inclusive porta-voz do Umaro Sissoco Embaló na sua tentativa (quase consolidada) de adiar a realização das próximas presidenciais para lá do prazo estabelecido pela Constituição da República e Lei Eleitoral.
Na Assembleia Nacional Popular (ANP), para além da instalação das forças armadas que impedem o acesso aos deputados e aos dirigentes deste órgão legislativo tido como “casa do povo”, porque era suposto reunir os seus representantes, chegou-se ao ponto do impensável: Umaro Sissoco Embaló mandou substituir, à força, o Domingos Simões Pereira, presidente eleito do parlamento, cujas funções cessariam, legalmente, apenas após a eleição de um novo presidente, mediante os resultados das próximas eleições legislativas, por Adja Satu Camará, a sua nova dama teleguiada para a afirmação da sua ditadura. No PRS e no MADEM G-15, ex-aliados do ditadorzeco, as mãos divisionistas do Umaro Sissoco Embaló instituiu direcções paralelas com vista ao enfraquecimento das estruturas desses partidos e, consequentemente, tirar dividendos deste cenário para a sua eventual reeleição.
Ou seja, hoje, não restam dúvidas de que Umaro Sissoco Embaló não tem qualquer oposição política à sua ditadura, muito menos existe uma instituição do arco democrático guineense capaz de limitar o poder do machado com que vai amputando as instituições do país. Impôs um presidente no STJ e este vai perto de um ano em funções, legitimado pelos próprios partidos políticos que se dizem opositores ao regime. Impôs uma direcção na CNE e, ao que tudo indica, será esta a organizar as próximas eleições que se venham a realizar na Guiné-Bissau. Impôs direcções políticas paralelas no PRS e no MADEM G-15, com o respaldo do STJ, e ninguém garante que o mesmo não venha a acontecer ao PAIGC e APU-PDGB, que também são visados pelo novo fenómeno político inventado por Sissoco: pantchidura! Impôs uma presidente da ANP, talvez a mais elevada ostentação do alcance do seu absolutismo e, continuando neste ritmo, pode ainda impor ao país um novo calendário, um novo fuso horário e até o número de vezes que os casais guineenses podem ter relação sexual (não me peçam para dizer “fazer amor”, porque a minha vontade era mesmo dizer isto por outras palavras, e mais fortes).
Por: Sumaila Djalo
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